Igreja Matriz de Caminha

CAMINHA (Portugal): Igreja Matriz.

A cenográfica, imponente e sobranceira Matriz de Caminha é o resultado da "riqueza e do querer desta póvoa marítima" que, nos finais da Idade Média, patrocinou a construção de uma das mais importantes obras do tardo-gótico português (ALMEIDA, 1987, p.150). Quer a qualidade da construção, quer a extrema rapidez com que foi executada, quer, ainda, a relevância artística e económica dos acrescentos (enriquecimentos) posteriores, provam bem a importância deste templo no contexto da História da Arte portuguesa na viragem para a época moderna.
A sua construção iniciou-se em 1488, sob orientação dos mestres biscaínhos Tomé de Tolosa e Francisco Fial. Este processo deu-se em perfeita actualidade com a entrada, no nosso país, de numerosos arquitectos formados em Espanha, em particular nos grandiosos estaleiros das Catedrais de Burgos e de Sevilha, e de que Júlio de Castilho foi o expoente máximo (PEREIRA, 1995, vol.2, pp.68-69). No Norte de Portugal, vamos encontrá-los a dirigir obras em Caminha, Vila do Conde, Braga, Lamego, etc., progredindo depois para o Sul.
Ao que tudo indica, a igreja foi concluída escassos vinte e cinco anos depois, pois logo em 1511 estaria colocado o provável tecto de alfarge, devido ao mestre galego Fernão de Muñoz (PEREIRA, 1995, p.89) e os dois portais certamente encontravam-se em fase de acabamento, se não estivessem já terminados.
Nesse quarto de século, assistimos a duas fases fundamentais: nos primeiros tempos, o risco e direcção de mestres biscaínhos; depois, à medida que estes foram sendo atraídos pelo Sul, vamos encontrar um português de Viana à frente das obras, Pero Galego, a quem se atribui a conclusão da igreja e a Capela dos Mareantes. Entre estes nomes, observa-se um lento abandono do vocabulário tardo-gótico de ascendência plateresca e uma progressiva abertura ao Renascimento, sobre um fundo volumétrico tradicional, aspectos que, combinados, colocam este templo num estádio de excepção face à generalidade da arquitectura nacional.
Em termos estruturais, a igreja segue uma tipologia já velha conhecida e praticamente hegemónica no chamado Gótico paroquial dos séculos XIII a XVI: corpo de três naves escalonadas cobertas por tecto de madeira, separadas entre si por largas arcarias quebradas; fachada principal de perfil triangular denunciando a organização espacial interior, sendo o corpo central organizado em dois registos; e cabeceira tripartida, com capela-mor de duplo tramo, sendo o final poligonal.
Apesar de a igreja pertencer ao último capítulo desta longa duração estilística, coexistem, nela, elementos arcaizantes (como o aspecto compacto das suas paredes e torre sineira e a escassa iluminação do interior, incluindo a apertada rosácea-óculo da fachada principal) a par de outros de grande novidade no panorama português. A Capela dos Mareantes (datada de 1511) é unanimemente considerada uma obra de charneira entre o Manuelino e o Renascimento. Foi custeada pela poderosa confraria marítima caminhense, que patrocinou uma obra ímpar no país, onde se testemunha já o Renascimento erudito (PEREIRA, 1995, p.88) que caracterizará um estrito número de realizações na primeira metade do século XVI.
Ainda mais importante é o portal lateral Sul, "virado para a vila" e, por isso, o que servia a comunidade, uma vez que o principal dava, directamente, para um troço de muralha (ALMEIDA, 1987, p.150). Da autoria provável de João Nobre, é uma poderosa obra cenográfica, enquadrada por pilastras, recebendo "a pseudo-arquitrave um conjunto de nichos com imagens que se aproximam dos canones clássicos", numa composição que se contextualiza, embora de forma mais simplificada, com o portal principal do Hospital Real de Santiago de Compostela (PEREIRA, 1995, p.88).
Obra de excepção, a Matriz de Caminha é um dos monumentos que melhor reflecte a confusão de conceitos actuais sobre a transição artística para a Modernidade, nela confluindo uma variedade imensa de influências estéticas.
PAF

info: http://www.patrimoniocultural.pt/

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